O gado leiteiro neozelandês já é conhecido mundialmente pela eficiência em produção de leite a pasto, mas estando aqui na Nova Zelândia e também por ter trabalhado com essa genética no Brasil não é bem isso que se conclui com o gado kiwi. O que se vê são vacas que produzem altos rendimentos de sólidos do leite, longevas, conversoras eficientes de alimento em leite, saudáveis e férteis, fácil para ordenhar e manejar, capazes de caminhar e pastejar longas distâncias todos os dias sem problemas de casco. Quais dessas características não são importantes para uma vaca de leite? Nesse caso o que se conclui é que a vaca neozelandesa tem que ser flex. Produzir tanto a pasto quanto em confinamento. A produtividade média da vaca neozelandesa é de 3883 litros/vaca/255 dias de lactação, ou seja, em torno 15 litros por dia. Lembrando que a produção é estacional devido ao inverno rigoroso impossibilitando a produção fora de free-stall.
Para alguns produtores brasileiros acostumados com produções em free-stall de mais de 30 litros/dia a produção parece baixa, mas temos que levar em consideração que é fisiológicamente impossível para a vaca alcançar essa média sob pastejo. Em um free-stall a vaca não anda muito, tem um ambiente climatizado e o alimento está prontamente disponível. Na NZ as vacas precisam colher o seu alimento, caso recebam ração na ordenha sempre será em pequenas quantidades para não atrasar a ordenha, enfrenta uma variação anual de temperatura de -15ºC a 30ºC e ainda existe propriedades que a vaca pode andar até 10km para ordenha.
Além disso, os neozelandeses não selecionam a vaca mais produtiva e sim a mais eficiente. E para aniquilar de vez a ideia que a produção por vaca na NZ é baixa veja que a produção média por vaca no sul do Brasil, onde se tem a maior densidade de produção do país é de 2628 litros/vaca/ano (Embrapa gado de Leite, Zoccal,2011). Contudo, a grande maioria das fazendas neozelandesas usa uma grande quantidade de suplementos sem sair do sistema a pasto. Quer seja para segurar maiores lotações com o fornecimento de silagem sobre o pasto ou corrigir a deficiência do pasto com o fornecimento de ração concentrada no cocho durante a ordenha. Portanto, o sistema neozelandês, em grande parte, não é 100% a pasto e, ao contrário do que ouvi de muita gente no Brasil, está longe de ser de baixa produtividade. A produção por hectare média na NZ está em torno de 11319Litros/ha onde a maior produtividade foi na região de Marlborough-Canterbury com 16115Litros/ha e a menor produtividade foi em Northland com 7788Litros/ha (DairyNZ,2011) e ainda assim é maior que média brasileira de 246 litros/ha (SEBRAE,2005).
O que o neozelandês busca é o maior rendimento possível. O lucro mesmo. O importante é ganhar dinheiro e a melhor vaca tem que ser a que dá mais dinheiro para o produtor de leite. Parece redundante, mas é bom frisar que o melhoramento genético de uma raça leiteira tem que objetivar o produtor de leite, não o marketing -a empresa leiloeira, a pista de exposição, o “showbusiness”, etc. Cerca de 80 a 90% da receita dos produtores neozelandeses vem do leite e 10 a 20% vem da venda de animais excedentes e descartes. Portanto, “alto mérito genético” de uma vaca kiwi é de acordo com as características citadas anteriormente.
O mérito genético, também muito usado em melhoramento genético no Brasil, foi usado na Nova Zelândia entre 1952 e 1997 a partir do índice genético para gordura, proteína e volume de leite por receita total. A partir de 97 foi mudado para “Breeding Worth” (mérito econômico) acrescentando peso, longevidade e algum dos principais custos. O BW atualmente é usado para touros e vacas e mostra a capacidade do animal de gerar lucros incluindo receita total do leite mais receita pela venda de vacas descartes e bezerros, alimento requerido para produção, a alimentação requerida para manutenção e para crescimento, alguns custos de produção e longevidade, medidos em dias de vida.
Segundo o Professor Colin Homes em média a vaca nascida em 1985, e com a avaliação TOP foi dado o valor $0,0 e valor médio das vacas em 1998 foi aproximadamente $30. Isto significa que em 1998 uma vaca teve a habilidade genética para gerar $30 a mais de receita líquida por lactação. Em 1998 o touro teve em média um BW de cerca de $90. Portanto em média as novilhas produzidas pelo acasalamento em 1998 teve BW de ($90 + $30)/2 = $60 (citado por,AGUIAR, 2009).
Outra ferramenta usada no melhoramento genético neozelandês é o cruzamento do holandês de linhagem neozelandesa chamado de holstein-frisian com o Jersey. O fruto desse cruzamento é chamado de kiwicross. Com isso o kiwi explora o vigor híbrido, ou seja, a superioridade dos filhos em relação aos pais. As vantagens do vigor hibrido não estão inclusos no BW, todavia espera-se um acréscimo de $17 por lactação em novilhas oriundas desse cruzamento (MONTGOMERIE,201_). Veja abaixo uma tabela mostrando o impacto do primeiro cruzamento do Kiwicross.
Percentual do melhoramento de desempenho do primeiro cruzamento Holandês x Jersey na Nova Zelândia causadas por vigor híbrido:
Característica Impacto do vigor híbrido
Gordura + 4.7%
Proteína + 4.6%
Peso vivo + 2.1%
Fertilidade da vaca* + 5.2%
Contagem de células somáticas – 4.1% (Favorável)
Dias de vida no rebanho + 13.5%
*Número de vacas prenhas nos primeiros 42 dias de lactação
Fonte: MONTGOMERIE,201_
Atualmente 41% das vacas ordenhadas na NZ são kiwicross (LIC,2011).
O trabalho de melhoramento e disseminação da genética neozelandesa é feito pela “Livestock Improvement Corporation” (LIC). A LIC, assim como a Fonterra, é uma cooperativa pertencente aos produtores neozelandeses e domina cerca de 70% do mercado de sêmem da Nova Zelandia. O banco de dados da LIC conta com registros de 93% de todos animais do país além de 81% das produções de sólidos do leite. Para se ter uma idéia do impacto disso com acesso à praticamente todo rebanho neozelandês a LIC faz o teste de progênie com apenas 300 touros por ano filhos de 0,02% de todas vacas que a LIC tem acesso. O teste é feito inseminando esses touros com 100.000 vacas em 550 rebanhos e, assim, são medidas todas as características requeridas do BW nas novilhas frutos dessa inseminação. Depois do teste feito, são selecionados 5% desses touros para ficarem de 3 a 5 anos no time de reprodutores da LIC. Com uma base genética tão grande e uma seleção tão criteriosa, qualquer informação de um touro tem pelo menos 90% de confiabilidade.
A fazenda que estamos hospedados é uma das colaboradora da LIC. Todas as vacas tem identificação eletrônica com um chip que comunica direto com o banco de dados da LIC. Em média, o sêmem de touros em teste fica em torno de NZD$17,00/dose com o serviço de inseminação. A inseminação é feita pelo técnico da LIC todos os dias pela manhã e à tarde. O sêmem é diluído a fresco e permanece com o inseminador, sendo separado em códigos.
A LIC foi criadora do diluente de sêmem a fresco, contudo exporta mais de 600.000 doses de sêmem congelado para 50 países inclusive o Brasil.
Enquanto e LIC usa o seu banco de dados para descobrir os grandes touros o, produtor usa outra ferramenta muito comum na NZ, mesmo antes de começar o teste de progênie, para selecionar suas vacas: o descarte. O produtor não tem apego, como tem muita escala e a reposição é garantida pela recria bem feita, o critério de descarte é muito rígido.
Normalmente os motivos de descarte de vacas são: problemas de casco, alta contagem de células somáticas, frequente ocorrência de mastite, vaca com dificuldade de ordenha, quer seja por má conformação de úbere ou por temperamento (essa nem espera o fim da estação para descartar), vacas com problema de fertilidade e baixo BW.
Uma ideia de como o descarte é importante, imagine um rebanho de 100 vacas com BW médio de $30 digamos que se descarta 15 vacas por motivos não genéticos e mais 5 com BW zero.
Matematicamente seria:
100vacas x BW30 = 3000
subtrai (15vacas x BW30) + (5vacas x BW0)= 450
BW novo rebanho com descarte= (3000-450)/80=31,87
Além disso, deixaria de gastar com as vacas com problema e ganharia uma renda extra com a venda dos animais para o frigorífico. Sem contar o acréscimo no BW médio com as novilhas de BW maior por ser fruto de touros de alto mérito econômico.
Com ou sem programas de melhoramento o Kiwi sempre buscou selecionar as suas vacas de acordo com o seu sistema. O melhoramento genético baseado na técnica veio para dar um rumo na seleção e credibilidade no que o produtor neozelandês sempre buscou no seu rebanho: a vaca que dá mais dinheiro.
Veja a publicação original em:
https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao-de-leite/melhoramento-genetico-kiwi-lucratividade-define-a-selecao-205177n.aspx